House M.D (Série)

Na minha modesta opinião de consumidor da cultura pop, House M.D é, sem dúvida, a melhor série que já acompanhei. E olhe que não foram poucas. Seja pela profundidade psicológica não só do personagem principal, mas também dos coadjuvantes que o cercam, seja pela brilhante atuação de Hugh Laurie ou simplesmente pelo clima de mistério e enigma médico muito parecido com o de mistério criminal de Sherlock Holmes.

Claro que tem seus defeitos. Às vezes pende muito ao melodrama e o romance, o que, em doses moderadas, não chega necessariamente a ser algo ruim, mas no geral, tem me convencido bastante a deixá-la entre as minhas séries favoritas.

O estilo ateu e cético do personagem principal, Dr. Gregory House, chama a atenção, principalmente em suas longas tentativas de jogar por terra a esperança e a fé dos pacientes que chegam ao fictício hospital-escola Princeton-Plainsboro. Sua descrença em Deus e na religião, pontua vários episódios da série que, no momento em que escrevo este texto, já corre para a oitava temporada.

Sou moralmente obrigado a dizer que o restante desse humilde texto contém spoilers, ou seja, contarei algumas cenas do seriado para aplicar na nossa discussão. Portanto, se você tem problemas com pessoas que contam o final do filme, desaconselho a ler o restante do texto.

Pois bem, se você ainda está lendo, é porque concordou em arcar com o prejuízo. Prossigamos então.

Dentre os muitos jargões e frases de efeito que caracterizam o comportamento satírico de House, há uma frase que se destaca. “Everybody lies” (Todo mundo mente). Segundo o “bom” doutor, ninguém diz a verdade, todos possuem segundas intenções para aquilo que fazem e não são dignos de confiança.

É curioso notar que o apóstolo Paulo, aparentemente encara a raça humana com o mesmo diagnóstico pessimista do astro da série. Em Romanos 3:23 ele diz: “Todos pecaram e carecem da glória de Deus”.

Bem, vamos assumir por um momento, que o Dr. House é quem está fazendo a consulta do paciente chamado Raça Humana. Não é de admirar que se faça esse diagnóstico. Paulo dá uma lista de sintomas que deixariam a equipe de House com a boca aberta: “egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus”. (2 Timóteo 3:2-4).

Parece com alguém que você conhece? Tente talvez seu espelho. O fato é que House está certo. Ninguém é justo, ninguém é bom. Por mais que tenhamos a tendência de nos comparar com pessoas piores para tentar amenizar nossa condição, ser menos mau que Hitler ou o goleiro Bruno, não nos torna bons, apenas, bem, menos maus. É triste, mas é a verdade.

Portanto, quando nosso doutor avalia nossa ficha médica, não precisa nem de seus fantásticos poderes dedutivos para adivinhar qual é a doença. Não, não é lúpus. Essa doença é o pecado. Todos a possuem. Está no DNA. Seja você rico ou pobre, alto, baixo, gordo, magro, branco, negro, hétero, homo ou qualquer outro tipo de escolhas que você tenha feito na sua vida. PECADOR. Doença terminal.

Mas por que encarar o mundo com esse diagnóstico tão pessimista, correndo até o risco de ir contra a lógica de House e se tornar reducionista? Qual a razão que leva Paulo a insistir tanto em Romanos que nós somos pecadores? Bem, mesmo o experiente House não pode negar que um paciente que não quer o tratamento, é um paciente que não terá cura. Ou, nas palavras mais ásperas dele: “Se você não tomar vai morrer, seu idiota!”.

O próprio médico dos médicos afirma isso (Marcos 2:17): “Os sãos não precisam de médico, e sim os doentes; não vim chamar justos, e sim pecadores”. O propósito do “pessimista” Paulo não é evidenciar um fato como que quer zombar e jogar o defeito na nossa cara. Muito pelo contrário. Sua missão é justamente alertar para a necessidade do tratamento da doença.

Mas até House pode errar às vezes, certo? Como em determinados episódios, quando o paciente aparentemente melhora com determinado tratamento, apenas para em seguida voltar muito pior do que estava. Para justificar isso, o doutor diz: “Tratamos o sintoma, não a doença”.

Com essa perspectiva em mente, vamos analisar o nosso “caso”. Já temos o diagnóstico. Somos pecadores, seres sem moral e destituídos do bem. Com seu sarcasmo costumeiro, House começa a escrever: Não mentir, não matar, ajudar uma pessoa idosa a atravessar a rua, dar de comer aos pobres e visitar regularmente a igreja. Destaca a receita e nos entrega.

É fato. Podemos até seguir à risca esses medicamentos. Iremos nos sentir melhores por alguns instantes. Pensaremos que estamos curados, apenas para que tudo volte novamente. Às vezes até mais forte do que era antes. Isso acontece por um único e simples motivo. Fazer boas obras, seguir a lei e ir à igreja são coisas boas, mas se fazemos isso para alcançar a cura, estamos apenas tratando os sintomas, não a doença. É como tomar Vicodin. Alivia a dor da perna, mas não cura.

Mas então estamos condenados, certo? Esse é o melhor que posso fazer. Não há nada mais que eu possa fazer por mim mesmo para ser curado. Neste momento o rosto de House se ilumina e ele grita com você: Ahá! Agora estamos chegando a algum lugar.

Pois mesmo o médico sabichão fracassa em sua tentativa de auto-redenção. No final da sexta temporada, House está jogado em seu próprio banheiro, recorrendo às drogas que tanto o prejudicaram. Ele pergunta à Dr. Cuddy que acabou de chegar: “Você acha que eu posso me curar? Sou a pessoa mais estragada do mundo”.

Reconhecer que por nós mesmos não podemos alcançar a cura é o primeiro passo rumo ao tratamento correto. Esse é o objetivo de Paulo em Romanos. Pois o mesmo apóstolo que diz “todos pecaram”, diz também mais a frente: “Sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus”. (v. 24). Podemos parafrasear isso da seguinte forma: Sendo curados gratuitamente pela sua graça, pelo remédio que há em Cristo Jesus.

Que pessimista que nada. Paulo nos diz que além de haver uma cura para o pecado, ela é completamente gratuita. Nem House veria essa chegando. Em resposta à sua indagação sobre ser a pessoa mais estragada do mundo, Cuddy apenas diz: “Eu sei, mas eu te amo”.

É dessa forma que Cristo nos encara, só que de uma maneira muito mais perfeita que qualquer seriado pudesse ilustrar. Se tão somente aceitarmos o tratamento da graça e tudo o que ela implica, Deus nos declara curados e ainda nos presenteia com a justificação proporcionada pelo sangue de seu Filho.

E estando nessa condição, podemos afirmar como Paulo: “Portanto, nenhuma ‘doença’ há para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8:1).

Caso encerrado.

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